No jantar dos Correspondentes da Casa Branca de 2010, o então presidente Barack Obama cumpria a tradição do evento de fazer piadas com temas políticos. Ao avistar os Jonas Brothers na plateia, grupo de sucesso na época, lançou um comentário que provocou risos: Obama disse que se os jovens da banda olhassem para suas filhas, Sasha e Malia, teria duas palavras para eles: “drones predadores". Naquele mesmo maio de 2010, 11 pessoas foram mortas por drones americanos no Paquistão, incluindo sete crianças e uma liderança da rede al-Qaeda.
Após os ataques do 11 de Setembro de 2001, outras milhares de pessoas foram mortas em ações com aeronaves não tripuladas em países como Somália, Afeganistão e Paquistão. E hoje, 23 anos depois dos atentados da al-Qaeda, os drones milionários de países como EUA, Israel e Rússia continuam nos ares, mas dividem espaço com modelos mais baratos, simples e igualmente mortais.
Mas o elemento surpresa durou pouco. Seu tamanho, com asas de até 12 metros de largura, e a velocidade considerada baixa o tornam vulnerável a sistemas de defesa. Tanto que hoje o Bayraktar TB-2 é empregado prioritariamente em missões de reconhecimento, deixando espaço para outros tipos de drone.
— Podemos estar diante de um novo paradigma. Hoje o conflito ainda ocorre em suas formas terrestre, marítima e aérea. No entanto, os ucranianos vêm trazendo uma nova forma de ação, remota e que permite de uma maneira muito pouco custosa ultrapassar as linhas inimigas — disse ao GLOBO Alcides Peron, coordenador do curso de Relações Internacionais da Fecap e autor do livro “American way of war: ‘guerra cirúrgica’ e o emprego de drones armados em conflitos internacionais”. — O que antes era facultado apenas a Estados muito poderosos, agora está sendo barateado e transformado em um aparato que pode ser mobilizado para atrapalhar linhas logísticas e a continuidade da guerra.
Mesmo alegando ter um vasto arsenal de mísseis, a Rússia usou drones kamikaze em ataques contra posições militares e áreas urbanas da Ucrânia. A “estrela” mais recente veio do Irã, o Shahed-136, capaz de levar uma ogiva explosiva e de atingir alvos a até 2 mil km.
Os primeiros veículos aéreos não tripulados começaram a ser testados ainda na Primeira Guerra Mundial, e o desenvolvimento ganhou força na Guerra do Vietnã para missões de reconhecimento e lançamento de folhetos para a população. Mas o salto definitivo veio após o 11 de Setembro de 2001, quando os EUA se lançaram mundo afora em busca dos responsáveis pelos atentados em Nova York e Washington.
Além dos bombardeiros e caças, drones como o MQ-1 Predator (citado por Obama na piada com os Jonas Brothers) foram usados em ações no Afeganistão, Paquistão, Somália, Sudão e Iêmen. Eles ajudaram a localizar lideranças da al-Qaeda, incluindo Osama bin Laden, morto em uma operação terrestre em 2011, e o número dois da rede terrorista, Ayman al-Zawahiri, que morreu em um ataque aéreo em 2022. Ao mesmo tempo, com a mudança da percepção sobre a “Guerra ao Terror”, questões importantes foram surgindo.
— Você não tem uma declaração formal de guerra contra esses países. Então é criada uma sensação de 'será que estamos ou não em guerra?'. Afinal, se não foi feita uma declaração, como é possível usar esses drones para matar inimigos? — opinou ao GLOBO Cristiano Mendes, professor de Relações Internacionais da PUC-MG. — Esse é um tipo de guerra que também não tem objetivos muito claros, e uma vez que você não tem objetivos muito claros sobre o que essa guerra é, cria a sensação de que é uma guerra sem fim.
O fato de os operadores atuarem a milhares de quilômetros de distância de seus alvos cria dilemas jurídicos: como processar, com base nas leis locais e internacionais, alguém que cometeu um assassinato em um país se ela está em outro território? E como aplicar as leis de conflitos armados se não há uma declaração de guerra?
— Isso é uma tormenta à soberania dos Estados, do espaço aéreo dos Estados, um desrespeito ao direito humanitário internacional e há uma enorme ilegalidade nos assassinatos extrajudiciais. Mas se tentou naturalizar tudo isso a partir da ideia da precisão do drone — aponta Peron. — Inclusive essa é uma ideia que era proferida por integrantes do governo Obama.
Um desses assassinatos ocorreu no dia 3 de janeiro de 2020, quando um drone MQ-9 Reaper lançou um míssil sobre o carro onde viajava o general Qassem Soleimani, chefe das Forças Quds, braço da Guarda Revolucionária do Irã para ações no exterior. O então presidente dos EUA, Donald Trump, disse que matou o militar, uma das figuras mais populares em Teerã, “para parar a guerra, não para começar uma”.
Em resposta, os iranianos lançaram foguetes contra uma base militar usada por americanos no Iraque, sem deixar vítimas — em dezembro do ano passado, um tribunal de Teerã condenou o governo dos EUA a uma multa de US$ 49 bilhões pelo ataque, um dinheiro que provavelmente jamais será desembolsado por Washington.
'Robôs assassinos'
Há ainda um debate nascente envolvendo os drones: sua incorporação a sistemas de inteligência artificial. Há pouco mais de uma década, especialistas discutem em fóruns multilaterais, incluindo a ONU, formas de limitar o uso de armas autônomas. Em vez de delegar todas funções ao operador, o sistema passa a definir e escolher alvos — em 2020, um relatório do Conselho de Segurança da ONU afirmou que um drone autônomo atacou forças ligadas ao marechal Khalifa Haftar na Líbia, na primeira ação do tipo já registrada.
— Acredito que em pouco tempo teremos drones, kamikaze ou não, decidindo por conta própria qual alvo deve ou não ser destruído. E isso obviamente vai causar uma série de erros e até servir para retirar a culpabilidade do operador, passando a ideia de que “a culpa não é nossa” — afirma Mendes. — E isso vai exigir a criação de novas categorias, não apenas jurídicas, mas também éticas, para lidarmos com esse tipo de tecnologia.
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