Entenda o papel dos houthis na 'guerra por procuração' do Irã contra Israel no Oriente Médio
Para analistas, imprevisibilidade do grupo pode levar a um conflito regional maior do que o pretendido por Teerã, que aposta em milícias do 'eixo de resistência' para forçar cessar-fogo em Gaza
Por O Globo e agências internacionais — Sana, Iêmen
13/01/2024 04h30 Atualizado há uma semana
Os houthis, rebeldes apoiados pelo Irã no Iêmen, se tornaram um curinga imprevisível e perigoso no Oriente Médio. Para Teerã, o grupo — que há semanas vem dando dor de cabeça para o Ocidente com ataques sistemáticos a embarcações no Mar Vermelho — é o seu representante ideal para travar uma guerra por procuração contra Israel, ampliando o conflito em Gaza. Com o ataque dos EUA e do Reino contra alvos houthis dentro do território iemenita na quinta-feira (madrugada de sexta no horário local), o temor de um conflito regional pode ter ficado ainda mais perto da realidade.
Segundo o porta-voz militar do grupo, Yahya Sarea, um total de 73 bombardeios atingiram a capital iemenita, Sana, e quatro outras regiões, matando cinco combatentes e ferindo outros seis neste que foi o primeiro ataque dentro do Iêmen desde o início da guerra entre Israel e Hamas. Horas após os bombardeios, Mohammed al-Bukhaiti, um membro graduado dos rebeldes, disse que os EUA e o Reino engajaram na "maior loucura de sua História":
"Iêmen não é um oponente militar fácil que possa ser derrotado rapidamente", escreveu al-Bukhaiti em uma postagem na rede social X (antigo Twitter). “O país está pronto para entrar em uma batalha de longo prazo que mudará a direção da região e do mundo."
Analistas próximos ao governo iraniano afirmaram que a base dos houthis no Iêmen os coloca em uma posição estratégica para intensificar os combates na região, na esperança de pressionar Israel a encerrar sua guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza. A avaliação está de acordo com as descrições de um plano descoberto do Irã e de sua rede de milícias, conhecida como eixo de resistência, para aumentar a ofensiva contra alvos israelenses e americanos no Oriente Médio, segundo informações de dois membros da Guarda Revolucionária do Irã que falaram ao New York Times sob condição de anonimato.
A localização estratégica — próxima o suficiente do Mar Vermelho para obstruir o comércio global e distante o bastante de Israel para sofrer ataques em retaliação — é um dos principais motivos para que eles sejam os representantes ideais do Irã. Além disso, ao contrário do Hezbollah, outro grupo apoiado por Teerã que vem atacando Israel a partir do Líbano e possui um braço político no Parlamento libanês, os houthis não estão subordinados à dinâmica da política interna do Iêmen.
Veja imagens dos navios de guerra enviados por Israel ao Mar Vermelho
Segundo dois altos funcionários da Defesa israelense, informações de inteligência confirmaram a pressão feita por líderes iranianos para que as facções do "eixo de resistência" intensifiquem os ataques contra Israel. Em conversa com o Times, eles disseram que os ataques dos houthis despertaram preocupação ao ponto de Israel ter criado uma unidade de inteligência dedicada às ameaças vindas do Iêmen. Mas o desafio não era nenhuma novidade: nos últimos anos, as previsões israelenses já apontavam que uma próxima guerra seria travada em várias frentes, com os houthis e outros milícias financiadas por Teerã entre elas.
A proximidade dos houthis com o Mar Vermelho, uma das principais rotas de navegação do mundo e por onde passam 12% do comércio mundial, tem sido usada para ameaçar embarcações comerciais e também navios de guerra dos EUA. Uma escalada no Mar Vermelho poderia interromper o transporte marítimo global, segundo analistas ouvidos pelo Times.
— Acreditamos que os houthis no Iêmen se tornarão uma ameaça maior para Israel no longo prazo do que o Hamas ou mesmo o Hezbollah — disse Nasser Imani, analista político em Teerã, no Irã, que é próximo ao governo. — O Irã os considera um ator importante e parte da estratégia coletiva do eixo de resistência.
John Kirby, porta-voz de Segurança Nacional dos EUA, assumiu em dezembro que os ataques dos houthis poderiam aumentar as tensões na região:
— É claramente um risco para a possível ampliação e aprofundamento do conflito — disse.
O eixo de resistência financiado pelo Irã inclui o Hamas e a Jihad Islâmica Palestina em Gaza, o Hezbollah no Líbano e os Houthis no Iêmen, além de vários grupos no Iraque e na Síria. Desde que Israel declarou guerra ao Hamas, após o grupo lançar um ataque terrorista em 7 de outubro que deixou 1.200 mortos e fez mais de 200 reféns, outros membros do eixo abriram frentes secundárias contra Israel de forma contida, evitando desencadear uma guerra total. Milícias no Iraque e na Síria atacaram bases militares dos EUA mais de 70 vezes com drones e foguetes. A recente resposta do Ocidente aos houthis, porém, pode representar a faísca para um conflito maior.
— As águas de nossa terra se tornarão o cemitério dos navios do inimigo sionista — disse o general Mohammad Ali al-Ghaderi, um comandante naval houthi, após uma série de ataques no mês passado.
À medida que Israel expande sua guerra em Gaza — na qual mais de 23 mil pessoas, muitas delas mulheres e crianças, foram mortas, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas — os grupos do eixo concluíram que devem inflamar a perspectiva de uma guerra regional para forçar um cessar-fogo, segundo os iranianos afiliados à Guarda Revolucionária. Um objetivo adicional, acrescentaram, é desestabilizar a segurança marítima, a navegação global e o fornecimento de energia.
O ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amir Abdollahian, negou, publicamente e em recente entrevista ao Times, que o Irã controle os houthis e outros grupos de milícias. No entanto, altos funcionários e conselheiros militares iranianos assumiram em discursos públicos e nas redes sociais que o Irã está armando, apoiando e coordenando o eixo.
Apesar dos planos do Irã de usar os houthis como um peão em uma estratégia regional maior, autoridades de inteligência israelenses e americanas disseram que os houthis representam um risco significativo de erro de cálculo e podem incitar uma guerra regional maior do que as autoridades iranianas preveem.
— Esse é um jogo difícil de ajustar para um grupo como os houthis, que não são apenas fanáticos, mas também têm muito pouco a perder — disse Ali Vaez, diretor do Irã do International Crisis Group. — Há muitos pontos de tensão. Quanto mais tempo a guerra durar, maior será o risco de as tensões ficarem completamente fora de controle.
Comandantes militares dos EUA ativos e da reserva reconheceram que as defesas aéreas de Israel eram sofisticadas o suficiente para derrubar mísseis e drones lançados contra o país, mas a ameaça às águas internacionais era um desafio maior.
— A capacidade deles de ferir Israel é muito, muito limitada — disse o general Kenneth McKenzie Jr., ex-chefe do Comando Central das Forças Armadas. — O maior risco é se eles usarem minas ou mísseis de cruzeiro de curto alcance em Bab el-Mandeb [estreito que separa a África da Ásia e liga o Mar Vermelho ao Oceano Índico]. (Com New York Times).
Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/01/13/entenda-o-papel-dos-houthis-na-guerra-por-procuracao-do-ira-contra-israel-no-oriente-medio.ghtml
Veja quatro aspectos-chave sobre os rebeldes houthis do Iêmen
Grupo conta com o apoio do Irã, potência regional e inimiga de Israel e da Arábia Saudita
Por AFP — Dubai
12/01/2024 13h20 Atualizado há uma semana
Os houthis, apoiados pelo Irã, controlam cerca de um terço do Iêmen e contam com uma força experiente e bem treinada. Veja quatro aspectos importantes sobre esses rebeldes atacados pelos Estados Unidos e Reino Unido, que os acusam de colocar em risco a navegação no Mar Vermelho.
Apoio do Irã
Os houthis contam com o apoio do Irã, potência regional e inimiga de Israel e da Arábia Saudita. Os rebeldes iemenitas fazem parte do chamado "eixo de resistência", um conceito que inclui movimentos anti-israelenses da região, como o Hamas palestino e o Hezbollah libanês, passando por grupos do Iraque e Síria.
Pouco depois do início da guerra entre o Hamas e Israel em 7 de outubro, após o ataque sem precedentes do movimento fundamentalista islâmico palestino em solo israelense, os houthis multiplicaram os ataques na região costeira do Iêmen contra navios comerciais que, segundo eles, estavam associados a interesses israelenses. Esta seria uma forma de apoiar os palestinos de Gaza, constantemente bombardeados por Israel.
Os Estados Unidos decidiram posicionar navios de guerra no Mar Vermelho e lançar uma força internacional para garantir a segurança nesta área por onde passa cerca de 12% do comércio mundial. Simultaneamente, acusa o Irã de encorajar esses ataques, o que Teerã nega.
Mais de 200 mil homens
Há anos com uma força estimada em pelo menos 200 mil homens, os houthis são bem treinados e familiarizados com combates em áreas montanhosas e de difícil acesso no Iêmen. Após tomarem a capital Sanaa em 2014, ocuparam áreas maiores do país, o mais pobre da Península Arábica.
Seus mísseis de longo alcance e drones, desenvolvidos com tecnologia iraniana — segundo seus adversários —, são considerados uma grave ameaça para seus vizinhos do Golfo.
No passado, os houthis atacaram a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, integrantes de uma coalizão militar que apoia o governo iemenita contra os rebeldes desde 2015.
Após enfrentá-los há mais de oito anos, Riad iniciou diálogos com o grupo rebelde no ano passado, com a esperança de colocar fim a um longo conflito que devastou o país e causou uma grave questão humanitária.
Popularidade
Apesar da morte de milhares de combatentes, o grupo rebelde segue atraindo jovens recrutas no país de mais de 30 milhões de habitantes, que vive uma das piores crises humanitárias do planeta.
Ao declarar que estão atacando Israel e seu aliado americano em solidariedade aos palestinos de Gaza, os houthis ganharam visibilidade e fixaram sua base popular no Iêmen, além de também contarem com o apoio na região do Oriente Médio, explicam especialistas.
Fator xiita
Procedentes do norte, os houthis se constituíram como um movimento na década de 1990 para lutar contra a marginalização de sua comunidade religiosa, os zaidistas, uma corrente do islamismo xiita nesse país de maioria sunita.
Os zaidistas viveram o seu apogeu no norte do Iêmen com a instauração de um imamato (um regime político liderado por um imã) no século IX, que durou até o século XX.
Nos territórios que controlam, os houthis impuseram normas sociais e religiosas muito rigorosas, que dizem respeito particularmente às mulheres.
Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/01/12/quatro-aspectos-chave-sobre-os-rebeldes-huthis-do-iemen.ghtml
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