Líbano acusa Israel de 'terrorismo' em reunião do Conselho de Segurança da ONU; China pede inquérito sobre explosões de pagers
Alto comissário para os Direitos Humanos sugere que ataque israelense pode ter violado leis internacionais; EUA culpam Hezbollah pela instabilidade
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20/09/2024 16h16 Atualizado 20/09/2024
O Líbano acusou o governo de Israel de "terrorismo", se referindo às explosões de milhares de pagers e walkie-talkies na terça e quarta-feira em seu país, durante uma reunião do Conselho de Segurança da ONU. Vários países afirmaram que os ataques, que deixaram dezenas de mortos e milhares de feridos, podem ter violado leis internacionais, e houve pedidos, liderados pela China, por uma investigação. Israel, por sua vez, disse que está lutando pelo seu "direito de existir", e sinalizou que a operação militar na fronteira com o Líbano vai continuar.
Na abertura de seu discurso, Abdallah Rashid Bou Habib, chanceler do Líbano, afirmou que os ataques de terça e quarta-feira, chamados por ele de "atos de terrorismo", mostram que "ninguém mais está seguro" no mundo. Bou Habib mostrou a imagem do que parecia ser uma mão que teve os dedos decepados, citando que muitas vítimas ficaram "desfiguradas". O diplomata acusou autoridades israelenses de terem planos para "mandar o Líbano de volta à Idade da Pedra", e apontou que o uso de equipamentos eletrônicos em um ataque foi um "crime de guerra".
— Viemos a esse Conselho hoje não apenas para defender o Líbano e o povo libanês, viemos para proteger nossa humanidade, e pedir que condenem, de forma inequívoca, os ataques terroristas de Israel, e responsabilizar Israel por ter planejado e realizado esses ataques, e por violar a soberania do Líbano e sua integridade territorial — disse o diplomata. — Israel se tornou um Estado pária.
O representante israelense, Danny Danon, declarou que há uma "obsessão em condenar" seu país na ONU, chamando de "circo" a aprovação de uma resolução na Assembleia Geral, na quarta-feira, que exigia a saída imediata de Israel dos territórios palestinos. Para ele, Israel "luta pelo seu direito de existir", citando os lançamentos de mísseis do Hezbollah no norte, e apesar de garantir que o país não quer uma guerra, não é possível "permitir que essa situação continue acontecendo".
— O Hezbollah e seus mestres, o Irã, precisam enfrentar consequências reais por seus atos. O Hezbollah prtecisa ser desarmado e o Irã responsabilizado por desestabilizar a região — afirmou. — Nosso objetivo é muito claro: restauraremos a segurança em nossas fronteiras do norte e traremos nosso povo para casa [...] Faremos o que for preciso para atingir isso.
Robert Wood, representante dos EUA, maior aliado de Israel, disse que não é interesse do Oriente Médio ter uma nova guerra, ao mesmo tempo em que voltou a negar qualquer participação de Washington nos ataques contra o Hezbollah — e tampouco expressou juízo de valor sobre eles, repetindo a linha adotada pelo Departamento de Estado desde terça-feira. Na fala, citou os lançamentos de foguetes pelo Hezbollah desde outubro do ano passado, acusou o grupo de ignorar as determinações das Nações Unidas, e disse que "uma resolução diplomática" é a única maneira para permitir que os civis das áreas de fronteira voltem às suas casas.
— Antes dos ataques terroristas brutais do Hamas, a calma foi mantida em grande parte ao longo da Linha Azul [que demarca a divisa entre Líbano e Israel] por 18 anos, desde a adoção da resolução 1701 — afirmou o diplomata, afirmando que essa relativa calma “foi quebrada” em outubro do ano passado. — Nos últimos 11 meses, o povo do Líbano sofreu as consequências devastadoras deste conflito, que não é deles.
Em seguida, o representante da China, Fu Cong, defendeu uma investigação sobre as explosões dos pagers e walkie-talkies, e que os responsáveis sejam responsabilizados. Para ele, essa foi uma "grave violação" da soberania e segurança nacionais do Líbano, e houve "uma flagrante violação do direito internacional". Fu Cong ainda criticou as operações militares de Israel em Gaza e no Líbano.
— Pedimos a Israel, em particular, que desista de sua obsessão com o uso da força e que suspenda, sem mais demora, suas operações em Gaza — afirmou o diplomata.
Vasily Nebenzia, embaixador russo na ONU, condenou os ataques dos últimos dias, os declarando "sem precedentes", criticou o que chamou de série de ataques e assassinatos no Líbano, Síria e Irã, acusando seus responsáveis de buscarem incitar uma escalada de violência na região. Ele defendeu um cessar-fogo em Gaza, e atacou a ofensiva diplomática do governo dos EUA, afirmando que ela está tendo "o efeito inverso".
— Parece que neste caldeirão de violência não há mais nenhum ato que todos nós não condenamos repetidamente nesta câmara — disse Nebenzia. — Consideramos o que aconteceu como um ato terrorista, que representa uma ameaça à paz e à segurança internacionais, com consequências imprevisíveis para todo o Oriente Médio.
Se juntando ao coro de acusações, o embaixador iraniano na ONU, Amir Saeed Iravani, dise que a comunidade internacional tem o "dever" de confrontar Israel, e afirmou que o governo israelense — chamado por ele de "regime terrorista" — não tem interesse em manter negociações de paz.
'Crime de guerra'
A possibilidade dos ataques com pagers e walkie-talkies terem violado as leis internacionais também foi levantada pelos dois representantes da ONU que falaram antes dos diplomatas. O alto comissário para os Direitos Humanos, Volker Türk, disse que eles "representam um novo desenvolvimento na guerra, onde ferramentas de comunicação se tornam armas".Türk afirmou que “o direito internacional humanitário proíbe o uso de armadilhas na forma de objetos portáteis aparentemente inofensivos”, e que “é um crime de guerra cometer violência com a intenção de espalhar o terror entre civis”.
— Este não pode ser o novo normal — declarou Türk, observando que "a guerra tem regras para cada parte deste e de qualquer outro conflito armado". — Autoridades teriam desativado dispositivos não detonados em universidades, bancos e hospitais. Isso desencadeou medo, pânico e horror generalizados entre as pessoas no Líbano, que já sofrem em uma situação cada vez mais volátil desde outubro de 2023 e desmoronam sob uma crise econômica severa e de longa data.
Rosemary DiCarlo, subsecretária-geral para Assuntos Políticos e de Construção da Paz, disse que os incidentes desta semana são "eventos alarmantes", que agravam uma situação já tensa vivida desde outubro de 2023, quando teve início um conflito até agora controlado entre Israel e o Hezbollah.
— Esses ataques mútuos foram uma violação repetida da cessação das hostilidades e uma violação da resolução 1701 [do Conselho de Segurança] — afirmou DiCarlo, em referência à resolução, de 2006, que retificou o cessar-fogo no conflito daquele ano envolvendo Israel e o Hezbollah, e que estabeleceu uma zona desmilitarizada ao longo da fronteira. Segundo ela, mais de 100 mil pessoas foram deslocadas do sul do Líbano, e 60 mil do norte de Israel, devido aos combates.
A subsecretária-geral declarou ainda que “as trocas de tiros causaram inúmeras baixas, incluindo civis, e danos significativos a casas, infraestrutura civil e terras agrícolas”, e que "o risco de expansão adicional deste ciclo de violência é extremamente sério e representa uma grave ameaça à segurança do Líbano, Israel e toda a região".
Na terça e na quarta-feira, explosões de pagers e walkie-talkies deixaram dezenas de mortos e milhares de feridos ao redor do Líbano, em um ato atribuído a Israel e que teria como alvo integrantes do Hezbollah. O ataque deixou o já precário sistema de saúde libanês sobrecarregado, com hospitais lotados e incapazes de tratar as muitas vítimas em estado grave, e outros países da região, incluindo Egito, Iraque e Jordânia, enviaram ajuda médica.
Nesta sexta, após uma série intensa de combates nas últimas 24 horas, a aviação israelense bombardeou Beirute, alegando se tratar de um ataque "direcionado", e que tinha como alvo Ibrahim Aqil, um alto comandante do Hezbollah buscado pelos EUA por seu papel em ataques que deixaram centenas de mortos nos anos de 1980. Ao todo, o bombardeio deixou 14 mortos na cidade.
Os israelenses dizem que não buscam uma escalada, e que estão "operando de acordo com os objetivos definidos [da guerra] ". Na véspera, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, acusou Israel nesta quinta-feira de violar “todas as convenções e leis”, classificando as detonações de walkie-talkies e pagers-bomba nos últimos dois dias de "declaração de guerra" contra o povo do Líbano.
Desde o começo da semana, Israel tem sinalizado que planeja mover parte de seu efetivo militar para a fronteira com o Líbano, com o objetivo, segundo o premier, Benjamin Netanyahu, de permitir que a população da área possa regressar às suas casas. Contudo, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, sinalizou que isso só seria possível "com uma ação militar", e generais têm pressionado, nos bastidores, pelo lançamento de uma operação por terra para criar uma "zona de segiurança", similar à que os israelenses tentam estabelecer na Faixa de Gaza.
Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/09/20/apos-explosoes-e-bombardeios-conselho-de-seguranca-discute-a-escalada-entre-israel-e-hezbollah.ghtml
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