POR QUE EXISTEM CAMPOS DE REFUGIADOS NOS TERRITÓRIOS PALESTINOS?

 Fumaça sobe do campo de refugiados de Jenin, após incursão israelense


Por que existem campos de refugiados palestinos nos territórios palestinos?

Manutenção de status concedido a palestinos que saíram do território israelense após a guerra de 1948 passa por cálculo político e questões pragmáticas impulsionadas por falta de um Estado soberano

Por Renato Vasconcelos — São Paulo

06/07/2023 04h30  Atualizado há 7 meses

A mais recente escalada de violência na Cisjordânia, considerada a maior nos últimos 20 anos, com 12 palestinos, ao menos oito deles militantes de grupos extremistas, e um militar israelense mortos, teve como cenário o campo de refugiados de Jenin — o mais ao norte do território sob mando da Autoridade Palestina, que o governo israelense afirma servir de base para operações de grupos terroristas. A ação militar, encerrada após dois dias de combates, jogou holofotes sobre uma questão particular do conflito israelense-palestino: a existência de campos de refugiados palestinos dentro de territórios autogovernados por cidadãos palestinos.


De acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em inglês), há 58 campos de refugiados reconhecidos oficialmente, 27 dos quais na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Somados aos demais, espalhados por Jordânia, Líbano e Síria, são cerca de 1,5 milhão de pessoas vivendo nestes locais — embora a agência reconheça 5,9 milhões de palestinos espalhados pelo mundo como refugiados.

Acampamentos de refugiados palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. — Foto: Arte/O Globo
Acampamentos de refugiados palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. — Foto: Arte/O Globo

Resquícios da guerra

Analistas ouvidos pelo GLOBO explicam que a situação dos palestinos remonta a história da região e do próprio conceito de refúgio. Com a guerra árabe-israelense de 1948, que consolidou a fundação do Estado de Israel, entre 700 mil e 750 mil palestinos que viviam na região, até então um protetorado britânico, deslocou-se para países árabes vizinhos, em um êxodo ao qual se referem como "nakba", palavra árabe para catástrofe.

Uma vez em países como Egito, Líbano, Jordânia e Síria — e Gaza e Cisjordânia, que ficaram sob domínio de alguns desses países — os palestinos não foram incorporados às comunidades locais e nem receberam nacionalidade em seus novos lares. De acordo com o professor Guilherme Fernandes, pós-doutorando e pesquisador em direito internacional na USP, essa dinâmica aconteceu por um cálculo político da Liga Árabe.

— Os palestinos encontraram um muro nos países da Liga Árabe, que não concederam nacionalidade a eles. Na época, a justificativa foi de que isso faria morrer a ideia de Palestina e deixaria Israel em uma situação relativamente confortável, sem ninguém para reivindicar o território — explicou.

Em um contexto de pós-Segunda Guerra Mundial, diante de um vácuo legal (o estatuto do refugiado só foi criado em 1951) e diante da situação de vulnerabilidade extrema a qual os palestinos estavam expostos, a ONU criou a UNRWA em 49 para auxiliar os cidadãos sem pátria. Foi quando começaram a ser erguido os campos — que hoje já não são um aglomerado de tendas e barracas, mas bairros densamente povoados.

Manutenção dos campos

Com Cisjordânia e Gaza sob domínio de Jordânia e Egito, respectivamente, a UNRWA começou a trabalhar na região no pós-Guerra. Isso não mudou quando Israel passou a administrar civilmente as regiões, após conflitos nas décadas seguintes. O status dos palestinos também não mudou após 1995, quando o controle dos territórios foi repassado à Autoridade Nacional Palestina.

— Mesmo com um governo interino soberano palestino e tendo controle e soberania do território em que eles clamam ter um futuro Estado Palestino, eles mantêm campos de refugiados. É uma situação única do conflito israelense-palestino, não se repete em nenhum outro lugar do mundo — afirmou o cientista político André Lajst, presidente executivo da StandWithUs Brasil, instituição internacional de educação sobre Israel.

Jovem palestino carrega bandeiras durante protesto por operação militar israelense. — Foto: Mahmud Hams/AFP
Jovem palestino carrega bandeiras durante protesto por operação militar israelense. — Foto: Mahmud Hams/AFP

De acordo com Lajst, a manutenção da condição de refugiado para a população palestina reflete um objetivo político mais amplo, que tem a ver com a chamada lei do retorno. Em resumo, trata-se do direito exigido por lideranças palestinas de retornarem ao lugar espaço geográfico onde viviam a poucas gerações — onde hoje é o Estado de Israel.

— Eles não entendem que os palestinos em situação de refúgio estão no seu próprio país — diz Lajst. — Para a maior parte do mundo, a condição de refugiado é uma despatriação. Ou seja, a pessoa está fora da própria pátria. Eles já estão na pátria deles, mas o que querem é voltar a um lugar geográfico que não é mais sua pátria.

No mesmo sentido, a ex-diplomata israelense e colaboradora do Instituto Brasil-Israel (IBI), Revital Poleg, afirma que a permanência como refugiado é uma decisão palestina para manter a lei do retorno em pauta. Ela critica, no entanto, a decisão de lideranças palestinas de submeterem a população à vida em campo para forçar uma negociação que não está esquecida.

— Se os palestinos querem colocar o tema da lei do retorno na agenda, não acredito que seja necessário obrigar o povo a viver como refugiados e em campos. O tema existe em si mesmo. Se Israel aceita ou não é questão de negociação — disse Poleg. — O fato é que o problema existe com ou sem campos de refugiados.

Casal corre durante tiroteio no campo de refugiados de Jenin. — Foto: Ronaldo Schemidt/AFP
Casal corre durante tiroteio no campo de refugiados de Jenin. — Foto: Ronaldo Schemidt/AFP

Na avaliação de Fernandes, contudo, existem razões pragmáticas para se manter o status de refugiado dos palestinos, para além da pauta política.

— Os palestinos estão em um estado quase permanente de refúgio, pois não existe nenhum tipo de possibilidade de reconhecimento pleno de um Estado Palestino — disse Fernandes. — No caso da Autoridade Palestina, na Cisjordânia, e do Hamas, em Gaza, não há um Estado com legitimidade e soberania plenamente reconhecida, o que traria uma série de implicações jurídicas a essas pessoas caso perdessem a condição de refugiados. Os documentos deles não seriam aceitos em nenhum lugar que não reconhece a Palestina.

Segurança e terrorismo

O argumento oficial apresentado pelas autoridades israelenses para a justificar a operação militar foi o combate a células terroristas escondidas no campo de Jenin. Embora tenha partido da cadeia de comando do governo de extrema direita liderado por Benjamin Netanyahu, a operação não foi condenada pela oposição israelense, que apoiou a operação.

— O campo de refugiados de Jenin está sob a responsabilidade da Autoridade Palestina. Eles são responsáveis por qualquer coisa que acontece no campo — disse Poleg, que participou das tratativas que antecederam os Acordos de Oslo, em 93, e ampliaram a governança palestina. — Com a situação atual, terroristas usam a população e esse formato que esta posto, com campos altamente densos e onde Israel não pode monitorar.

Pintura de Jamil al-Amouri, fundador das Brigadas de Jenin, em mural pintado na entrada do campo de Jenin. — Foto: Ahmad Gharabli/AFP
Pintura de Jamil al-Amouri, fundador das Brigadas de Jenin, em mural pintado na entrada do campo de Jenin. — Foto: Ahmad Gharabli/AFP

Segundo Lajst, o enfraquecimento da Autoridade Palestina transformou o campo de Jenin em um ímã para "lobos solitários", atraídos pelo desejo de se unirem a grupos terroristas como a Jihad Islâmica, a ala radical do Fattah e às recém-criadas Brigadas de Jenin, que se impõe à população local por meio da força.

— O princípio é o mesmo de um grupo de traficantes dentro de uma favela. Eles se sobrepõem à população por meio da força. A informação que temos é que a proporção de armas dentro do campo é de quase três por pessoa no campo de Jenin. Além disso, retroalimentam a violência por meio de discurso de ódio e radicalização.


Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/07/06/por-que-existem-campos-de-refugiados-palestinos-nos-territorios-palestinos.ghtml

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